18/04/2021

Se 41% dos brasileiros já relataram sintomas como ansiedade, insônia ou depressão em decorrência da pandemia covid-19 em março de 2020, hoje mais da metade da população (53%) afirma que seu bem-estar mental piorou no ano passado. Segundo levantamento do Instituto Ipsos encomendado pelo Fórum Econômico Mundial para medir a piora da saúde mental em 30 países, o Brasil ocupa o quarto lugar no ranking, superado apenas pela Itália (54%), Hungria (56%), Chile (56 %) e Turquia (61%).

A pressa das empresas foi imediata para oferecer suporte e ferramentas que ajudassem os funcionários a se manterem atualizados. Os líderes também tiveram que abraçar a causa e se aproximar ainda mais da equipe; afinal, as pessoas precisam sentir (e ver) que estão todas no mesmo barco. Daí a revelação: eles estão todos no mesmo barco – e no mesmo sofá. ̵

CEOs e profissionais em posições de liderança estratégica, muitas vezes vistos como inabaláveis, também sofrem com angústias, ansiedade, depressão, perdas e incertezas. A diferença é que, nesse ínterim, eles precisam tomar decisões que podem afetar toda uma rede de pessoas e negócios, além de seu cargo.

Segundo Ronaldo Ramos, ex-country head da Rio Tinto Brasil e fundador do CEOlab (hub de mentores que acompanha profissionais de empresas como Gerdau, Usiminas e Natura), os executivos tiveram que esquecer a ideia de administrar crises para administrar “Na crise”.

“É uma contínua adaptabilidade e reformulação de processos”, afirma. “Agora estamos lidando com um tipo diferente de crise, em que você não sabe de onde vem a bomba, então o medo está muito presente”, enfatiza.

Ramos explica que o CEO se sente isolado pela responsabilidade de tomar decisões. “O risco de erro é maior”, diz ele, fazendo um paralelo com o jogador de futebol. “Se você marca, a multidão aplaude, mas se você não marca, você é vaiado.”

Embora hoje haja um cultura organizacional que permite o erro, o especialista diz que há limites. “Você precisa aprender a cometer erros rapidamente e pequenos porque as decisões precisam ser tomadas e você não pode piscar”, avisa. “É hora de segurar o ego e confiar na capacidade de aprender colaborativamente para formular o problema da maneira certa, porque tendemos a aplicar soluções conhecidas para problemas desconhecidos.”

A fala vem de muita experiência. Ramos era executivo da mineração na época da tragédia do rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho, onde também operava a Rio Tinto. “Isso devastou minha saúde emocional e mental, eu simplesmente não conseguia dormir mais”, lembra. “No estresse crônico, a pessoa perde o raciocínio, por isso precisa promover um espaço de vulnerabilidade”.

Ele acredita que a ideia de vincular a figura do CEO à imagem de super-herói não funciona. “A primeira recomendação para não se meter em encrencas é que não adianta querer planejar com antecedência”, afirma. “A preocupação agora é nadar até a próxima bóia.”

Convicção no meio do caos

Quando a pandemia bateu à porta, o caos tomou conta da vida do administrador de empresas Raphael Mattos, CEO e fundador da rede de microfinanças em Pernambuco Premiapão. Com quatro filhas pequenas, ele descreve a rotina do ano passado como um cenário de guerra. “Eu me pergunto qual é o limite do ser humano, mas mamãe e papai realmente têm superpoderes”, brinca.

Para ele, o momento mais difícil foi no primeiro confinamento. Mattos afirma que o ambiente físico da empresa, inspirado no modelo do Google, teve um papel importante no dia a dia da equipe. “Foi muito difícil mandar todos para o escritório em casa porque eu sabia que as pessoas não teriam o mesmo ambiente em casa”, diz ele.

Outro desafio foi bater o pé para não despedir ninguém. “No início sofremos um prejuízo enorme e fiquei muito abalado, com a certeza de que iria à falência em 6 meses, mas no final deu certo e hoje o nosso faturamento é muito maior do que antes da pandemia”, revela.

Mattos afirma que ter um parceiro para compartilhar riscos e anseios foi fundamental no processo, tornando as decisões mais leves. A transparência no relacionamento com funcionários e franqueados também jogou a favor. “Eu aprecio ser capaz de colocar minha cabeça no travesseiro e dormir”, diz ele. “Isso é impossível quando você se relaciona com base em conflito, inimizade e intolerância.”

Em meio ao caos, o CEO afirma que outros fatores serviram de fonte de descompressão, como desligar o celular e o mundo para ficar com as filhas e praticar esportes, algo de que ele nunca desistiu.

Pesar, depressão e descobertas

O diretor de assuntos corporativos e comunicação da multinacional JTI no Brasil, Flavio Goulart, havia se mudado para São Paulo com a família um mês antes da pandemia. O processo não era fácil quando eles estavam trancados em casa.

“Eu estava acostumado a passar muito tempo em aviões. Parar com tudo isso emocionou muito a mim e ao meu time no Rio Grande do Sul, Brasília, Genebra ”, lembra. “Como todos estariam sem a gente por perto, sabe? Para quem está acostumado a olhar no olho, isso é muito doloroso. ”

Goulart confessa que a gota d’água, porém, foi em maio do ano passado, quando perdeu a mãe, que morava em Recife. “Eu não poderia dizer adeus a ela. Foi muito destrutivo. “Foi nesse momento que começou a ter sintomas eficazes de ansiedade e depressão. De imediato, procurou a terapeuta que o acompanhava no Rio Grande do Sul, que o medicou e passou a marcar consultas online.

A empresa, que possui um programa de apoio psicológico, financeiro e jurídico aos colaboradores (Programa Amparo), também teve um papel importante no processo de luto. “Todos, do meu chefe imediato ao vice-presidente sênior em Genebra, ligaram e me disseram para parar de trabalhar e abrir espaço para lidar com o peso da perda”, diz ele.

Goulart, porém, queria continuar trabalhando – e o fato de estar sempre fortalecido e próximo da equipe ajudou nos momentos difíceis. “Compartilhamos tudo, inclusive as decisões”, diz ele. “Essa troca de conhecimento mútuo faz com que você viva uma relação diferente, que traz o conforto emocional de saber que não está só”.

O executivo revela ainda que, muitas vezes descontada na alimentação, a ansiedade também desequilibrou o equilíbrio e voltar a pedalar está ajudando a regular essa parte. “Assim que tive flexibilidade, finalmente conheci a cidade e descobri a ciclovia da Marginal Pinheiros”, diz. “Nunca imaginei que São Paulo pudesse ter a vida na beira do rio de uma forma tão intensa, com pássaros e mais pássaros, capivaras, tudo.”

Reconhecer vulnerabilidades

Para Renata Rivetti, fundadora e diretora da Reconnect – Felicidade no Trabalho, especializada em felicidade no trabalho, o CEO precisa ter autoconhecimento para entender o que está sentindo e se abrir. Reconhecer sua vulnerabilidade e manter uma comunicação transparente mostra que ele também é um ser humano com fragilidades, segundo ela. “Porque ninguém pergunta”, observa. “O papel do super-herói é altamente esperado da figura do CEO.”

O especialista ressalta que é fundamental ter uma equipe confiável para dividir as responsabilidades – e a pandemia trouxe a oportunidade até mesmo para as lideranças com perfil mais autoritário e distante da equipe. “A liderança ficou muito exposta e começou a perceber as próprias lacunas”, diz Rivetti. “É entender que, se eu me sentir mal e não trabalhar nisso, a equipe será infectada.”

Noites bem dormidas

Outra que defende veementemente as medidas de abordagem da equipe como principal alicerce para que o líder não fique só é a fonoaudióloga Ana Alvarez, que estuda comunicação sob a égide da neurociência e da neuropsicologia. Ela diz que formar a base do relacionamento deve ser o primeiro emprego do CEO. “O que está no comando neste momento é o sindicato”, declara. “Sem proximidade, confiança zero.”

Outra questão importante apontada pelo médico é a comunicação intrapessoal do CEO, também chamado de conversa interna ou diálogo interno. “A maneira como me vejo e me sinto determinará como resolvo os desafios no trabalho”, explica ela. “Isso inclui sempre falar no positivo, com verbos de ação, porque se você pensa no que não pode fazer, não está pensando no que pode fazer.”

Entre as dicas para manter a saúde mental, ela cita os exercícios físicos, que ativam os neurotransmissores responsáveis ​​pelo bem-estar, sono de qualidade e necessidade de pausas durante o dia.

“Quem não dorme bem toma decisões erradas e age mais por impulso no dia seguinte”, lembra. “Ao longo do dia, também é preciso parar e, de preferência, ir até a janela e olhar para o céu. A ideia de espaço aberto leva a uma ampla gama de opções. ”

Fonte: economia.estadao.com.br/noticias/sua-carreira,ceos-e-lideres-lutam-contra-ansiedade-e-depressao-na-pandemia