01/09/2020

Dr. Arthur Guerra

Falar da Covid e do coronavírus virou conversa de botequim, como se costuma dizer. Discutir a pandemia tornou-se tão corriqueiro nos grupos da família ou de amigos no WhatsApp quanto perguntar como nossos entes queridos estão.

Mas também temos nos dado conta de que outros temas se tornaram comuns nas conversas informais: a dificuldade para dormir, o sono picado, o coração que dispara aparentemente sem motivo algum, a dificuldade de concentração, a respiração que às vezes fica entrecortada, o medo de tudo, a sensação de tristeza profunda. Eu mesmo, neste espaço, já falei bastante disso.

Esses sintomas, que temos confidenciado aos nossos entes queridos, nada mais são do que indícios de diversos transtornos mentais. Cito apenas um deles: a ansiedade. Quer dizer, então, que algo que você imaginava só estar acontecendo com você neste momento em que vivemos está afetando também uma parcela significativa dos seus conhecidos?

A verdade é que sim. Tenho procurado divulgar levantamentos que apontam um crescimento vertiginoso das doenças mentais desde que a pandemia foi declarada, como fiz duas semanas atrás. O crescimento é tão grande que a OMS já admite que quando o vírus estiver sob controle ou tivermos conseguido evitar que ele continue a se disseminar, o mundo deverá testemunhar uma quarta onda decorrente do coronavírus: desta vez, não de Covid-19, mas de transtornos mentais.

O que tem ocorrido é que a pandemia nos equalizou. Eu posso estar sofrendo de um transtorno mental, mas meu melhor amigo, meu irmão, meu pai ou minha mãe, meu chefe também. Aos poucos, começamos a entender que as doenças mentais fazem parte das nossas vidas, são mais frequentes do que imaginávamos. O quanto antes admitirmos e enfrentarmos isso, mais rapidamente voltaremos a entrar no eixo e a nos sentirmos melhores.

Como psiquiatra, vejo esse momento como uma enorme oportunidade de aumentar a conscientização em relação a esse tema. Talvez saiamos desta tendo conseguido reduzir o estigma que cerca as doenças mentais.

Se avançarmos nesse sentido, ganharemos muito, inclusive porque a pecha negativa que cerca os transtornos mentais afeta diretamente as oportunidades de trabalho. Muita gente passa a vida escondendo a sua condição por temer ser demitido ou não avançar na carreira, quando essas doenças deveriam ser encaradas pela sociedade como qualquer outra.

Dr. Arthur Guerra é professor da Faculdade de Medicina da USP, da Faculdade de Medicina do ABC e cofundador da Caliandra Saúde Mental.

Fonte: forbes.com.br/colunas/2020/09/arthur-guerra-pandemia-pode-ajudar-a-reduzir-estigma-que-cerca-doencas-mentais